de Ana Teresa Vicente e Francisca Dores
No âmbito da 14a edição da Conferência Internacional de Cinema de Viana, Encontros 2025, e no contexto da viragem do século XXI, também designado por pictorial turn ou Age of simulation (W. J. T. Mitchell, 1992), ou, ainda, por Age of disposable people (Rey Chow, 2010), a presente sessão inaugural 4 ENCONTROS25 | Festival de Cinema de Viana . 2025 procura dar continuidade ao trabalho de reflexão crítica em torno do tempo e lugar entre imagens, iniciado em 2023, a partir do seguintes eixos temáticos: i.) imagens e lugares de espera (imagens- -memória-matéria); ii.) cidade-mundo e comunidade-mundo (imagens-identidade-permanência). Em particular, visa estabelecer crossovers em torno das Artes e Estudos Cinematográficos a partir da triangulação que compreende - imagem, mediação e simulacro - evocando “Modos de Fazer Mundo” (1995), “A Pele da Cultura” (1997) e “Simulacros e Simulação” (1991), da autoria de Nelson Goodman, Derrick de Kerchkove e Jean Baudrillard, respetivamente. O “trabalho de memória”, enquanto processo em construção, preconizado por Paul Ricoeur desenvolve-se através das imagens visuais e sonoras que habitam a humanidade. Este processo encerra um espaço de reflexão, de experimentação e de criação de narrativas visuais ou fílmicas que emergem a partir de “(...) testemunhos de uma imaginação que raciocina.” (Bachelard, 1996: 139) O cinema tal como a fotografia sintetiza o processo de literacia da memória, sem o qual identidade não tem lugar e ser livre não tem guião. A este propósito, o contributo de 2046 de Wong kar-Wai, reside, precisamente, no modo como a memória se sobrepõe à realidade, enfatizando a condição de ser, entre o que fomos ou somos, e aquilo em poderemos vir a tornar. O processo da construção das imagens torna visível o invisível e, assim, enfatiza as latências que dizem respeito à crença e à descrença, ao envolver o processo de “leitura”, “visualização” e “interpretação”. O processo de construção de imagens ou ecrãs como modos de (re)apresentação, (re)mediação e (re)imaginação, da realidade que nos rodeia ou atmosferas encenadas, recupera o sentido da representação visual das camadas de memória e identidade entre imagens que moldam a expressão do olhar, tempo e lugar.
O sentido das imagens encenadas apela ao apego sentimental dizível, fazendo convergir a atenção do espectador para a sua própria experiência de vida: o eu e a comunidade. A este propósito, o legado de Sergei Eisenstein e Dziga Vertov viria a antecipar o processo de memória e da construção de identidade, assente na velha máxima dos nouveaux réalistes, fazendo emergir a visão do “mundo como um quadro”. Hoje, entendido como “cidade mundo”.
Em síntese, a presente apresentação centra-se nas atmosferas encenadas no lugar da fotografia e do cinema, nomeadamente em torno da importância da reflexão e do olhar crítico sobre o processo de construção das imagens – metamorfose ou lugar do tempo entre imagens, fazendo emergir realidades diegéticas e não diegéticas: fabulações sentimentais e a capacidade de toque da imagem (Jean-Luc Nancy). Os limites entre “as imagens que a câmara vê” e “as imagens que a personagem observa” são questionados, dando lugar a um entendimento mais alargado do horizonte narrativo fílmico. No filme Sans Soleil (1983) realizado por Chris Marker é questionado o seguinte: “Pergunto- -me se estes sonhos são realmente meus, ou se fazem parte de um conjunto, de um sonho coletivo gigantesco, do qual a cidade seria uma projeção”. Em torno da dialética do Eu e do Outro, as imagens criam fluxos narrativos, a ilusão de transparência, e a tentativa de registo sem possibilidade de esquecimento (recolher, refazer, relembrar): provocar (double mirror) vs. fruir (double exposure).
(FBAUL, CIEBA)
Ana Teresa Vicente (Lisboa, 1982) é artista e investigadora. Tem um doutoramento em Belas Artes - Fotografia, Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (CIEBA-FBAUL), com bolsa FCT (PT). Desde 2005 que apresenta o seu trabalho regularmente, através de exposições, palestras e publicações. Exposições recentes do seu trabalho incluem: Halaqat, Goethe-Institut Kairo (EG); ARTeFACTo Macau (MO); Taipei Photo Festival (TW), SITUATIONS | The Right to Look, Fotomuseum Winterthur (CH); Selections from the Seagrave Museum, DAAP Gallery (USA); Format Festival (UK); Athens Photofestival (GR); Timelessness, Ars Electronica Campus (co-curadoria com a Professora Mónica Mendes, AT); Binary/Non-binary, GESTE Paris (FR); Immersive | Imersivo, SNBA (PT). Foi co-coordenadora e investigadora do Post-Screen: Festival Internacional de Arte, Novos Media e Ciberculturas (FBAUL em 2014 e, em 2016, FBAUL, Fundação Millennium e ULHT, Lisboa, PT). Em 2020, iniciou o projeto “From Transtopia to Supertopia”, primeiro na In-Situ Hong Kong Artist Residency com uma bolsa da Fundação Oriente e na residência Halaqat Media Arts, organizada pelo Bozar – Centre for Fine Arts Brussels, Goethe-Institut e IMAL (BE, 2022), e pelo Goethe-Institut Kairo, Cairotronica e com o apoio da American University of Cairo (EG, 2023). Atualmente, é docente adjunta convidada no curso de Som e Imagem, ESAD.cr (Caldas da Rainha, Portugal) e membro integrado do Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes (CIEBA, FBAUL, PT).
(CITAR - UCP/UBI)
Francisca Dores (Porto, 1998) é autora multidisciplinar, licenciada em Tecnologia da Comunicação Audiovisual, pela ESMAD, e mestre em Cinema pela Escola das Artes - UCP. Desenvolve projetos nas áreas do cinema, da fotografia, da performance e da instalação sonora. O seu trabalho procura pensar a sensorialidade da imagem em movimento, através de uma abordagem documental experimental. É realizadora, montadora e diretora de fotografia dos filmes "How to Be a Candid Woman" (2022), "Cura" (2023) e "Nunca estive tão perto" (2023), com estreia na Competição Nacional do IndieLisboa 2024. Trabalha em vídeo, sendo responsável pelo registo do Festival Circular e das diversas atividades da Circular Associação Cultural desde 2021; e como colorista freelancer em projetos filmados em película 16mm ou em digital. Paralelamente, desenvolve explorações sonoras e videoarte, destacando-se o projeto "fhosfhorus", em co-autoria com Henrik Ferrara, apresentado na Montra - Mostra de Arte Contemporânea, em Vila do Conde. É um dos membros fundadores do coletivo ORCA (Orquestra de Robôs, Computadores e Altifalantes) e membro integrante do coletivo OBSOLETO, onde é responsável pela criação artística audiovisual. Atualmente, é professora de cinema na Universidade da Beira Interior.
(ESAD/ ESAD-IDEA, ESE-IPVC)
Tomé Quadros, doutor em Ciência e Tecnologia das Artes, especialização em Cinema e Audiovisuais, pela Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa, com a avaliação final de summa cum laude com 19 valores, é Diretor Pedagógico, Presidente do Conselho Pedagógico e membro do Conselho Científico na Escola Superior de Artes e Design - ESAD (Matosinhos, Portugal). É Professor Adjunto na Escola Superior de Artes e Design - ESAD (Matosinhos, Portugal) e membro integrado no Centro de Investigação em Artes e Design - ESAD-IDEA (Matosinhos, Portugal). É docente convidado nos programas de licenciatura em Artes Plásticas e Tecnologias Artísticas na Escola Superior de Educação do Politécnico de Viana do Castelo, e de mestrado da Faculdade das Artes e Humanidades na Universidade de São José na Região Administrativa Especial de Macau - República Popular da China. Desde o corrente ano de 2024, Tomé Quadros é membro da Comissão de Avaliação na Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES, Portugal), na qualidade de perito nacional em investigação e prática artística. É coordenador participante no âmbito da iniciativa Portugal Entre Patrimónios, desde 2018, organizado pelo Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC, Lisboa - Portugal), em parceria com a ESAD-IDEA (Matosinhos - Portugal). Do trabalho académico que tem vindo a ser desenvolvido, destacam-se as apresentações na Alemanha, China, Japão e Portugal. Das publicações académicas: Social transformation in the eyes of contemporary Chinese cinema and Dogme 95 capítulo publicado no livro (Inter)cultural Dialogue Through Arts and Media pela Senses Publishers (ISBN: 978- 94-6300-421-3); editor do livro Image in the Post-Millenium - Mediation, Process and Critical Tension (ISBN 978-94-93148-60-4) ESAD-IDEA e Onomatopee Publisher. Ao longo da última década, Tomé Quadros esteve envolvido na realização e produção, artística e projetual. De salientar, os filmes realizados em 2016 e 2006 Macau Reframe e Nam Van Square presentes respectivamente na Bi-City Biennale de Urbanismo e Arquitectura, Shenzhen, República Popular da China, e na 10ª Mostra Internacional de Arquitectura da Bienal de Veneza, Itália. Assim como, Mosaico, um desenho coletivo (2022) coordenação e participação em representação da esad-idea no âmbito do 8º encontro do projeto nacional/ Projeto Portugal entre Patrimónios (23 novembro, Museu Nacional de Arte Contemporânea - MNAC, Lisboa); e In between this and something else (2021) exposição do artista Nuno Cera, Galeria da Biodiversidade - Reitoria da Universidade do Porto, coordenação Magda Seifert e Tomé Quadros, produção ESAD-IDEA (Matosinhos - Portugal).